Informações
Nível de aprovação pela UnB
Aprovado pela UnB
Nome Completo do Proponente
Thaís Kristosch Imperatori
Matrícula UnB
1130161
Unidade acadêmica da UnB
thaisimperatori@unb.br
Título da Proposta
As implicações da COVID-19 para a proteção social
Sumário Executivo da Proposta
O presente projeto tem como ponto de partida uma compreensão ampliada de saúde, que a considera como resultado de fatores biopsicossociais, e não apenas como ausência de doença. Tal concepção de saúde foi postulada na Constituição Federal de 1988 ao estabelecer no art. 196 que “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” Complementar à Carta Magna, a Lei nº. 8.080/90 afirma que os níveis de saúde expressam a organização social e econômica do país, tendo como determinantes e condicionantes, dentre outros, moradia, saneamento básico, trabalho, renda, educação e acesso a bens e serviços essenciais. No atual cenário da pandemia do Covid-19, identifica-se a presença de um discurso político que coloca as políticas econômica e de saúde em direções opostas. Um exemplo foi a fala do Presidente Jair Bolsonaro: “A vida em primeiro lugar, mas sem emprego a sociedade enfrentará um problema tão grave quanto a doença: a miséria”. Essa afirmação permite profundas reflexões sobre a desigualdade que marca a sociedade brasileira, as múltiplas vulnerabilidades já vivenciadas pelas populações pobres e o papel do Estado no processo de decisão e a implementação de políticas públicas. Ao se impor uma dualidade entre as dimensões econômica e social, negando a responsabilidade constitucional do Estado na garantia de condições de saúde da população, se atribui aos indivíduos a escolha de sua proteção ou manutenção de sua subsistência. Nesta pesquisa propõe-se a análise das implicações do Covid-19 sobre os mecanismos de proteção social no Distrito Federal e no Brasil. Isso porque entende-se que os desafios impostos pela pandemia exigem mudanças nos padrões de proteção social por ora estabelecidos. O que se busca analisar é para qual direção tais transformações levarão: de um lado, o reconhecimento de direitos sociais e a ampliação do papel do Estado na sua concretização; de outro, a regressão do papel do Estado no atendimento a necessidades humanas básicas em um processo já iniciado com a Emenda Constitucional 95 que impõe o teto dos gastos públicos e que tem se consolidando nos últimos anos com a aprovação das reformas trabalhista e previdenciária.
Tipo da Proposta
Palavras-chave
Covid-19, proteção social, política social, Estado
Número de Integrantes da Equipe
4
Nome dos Integrantes da UnB
Thaís Kristosch Imperatori, Angela Vieira Neves, Felipe Portela Bezerra, Melina Sampaio de Ramos Barros
Há integrantes externos à UnB?
Não
Possui apoio de Grupo de Pesquisa Certificado pela UnB no CNPq?
Sim
Nome/Link do Grupo de Pesquisa certificado no CNPq pela UnB
GEPEDSS - Grupo de Estudo e Pesquisa sobre Democracia, Sociedade Civil e Serviço Social
Público alvo
Análise do Contexto
A pandemia do Covid-19 permite tecer reflexões sobre a precariedade das condições de vida dos brasileiros e a fragilidade da rede de proteção social. Embora trate-se de uma doença cuja proliferação teve início nas classes A e B, particularmente trazida ao Brasil por pessoas que viajaram para a Europa, considera-se que seu impacto maior será na população das classes subalternas que acumulam vulnerabilidades de diferentes ordens. Nesta análise de contexto apresentamos brevemente cinco dimensões sobre essa relação.
A primeira refere-se à possibilidade de medidas de prevenção frente as precárias condições de moradia e acesso a equipamentos de saneamento básico no Brasil. Para uma doença cuja principal prevenção reconhecida pelas autoridades sanitárias é a correta higienização das mãos com água e sabão, não ter acesso a moradia, água tratada, assim como saneamento básico, amplia consideravelmente as condições de contágio.
A Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira (IBGE, 2019) apresenta a forte correlação entre pobreza monetária e vulnerabilidade nas condições de moradia. A ausência de banheiro de uso exclusivo dos moradores, ou seja, um cômodo com instalações sanitárias e para banho cujo uso não seja compartilhado por pessoas de outros domicílios, atinge 8,5% da população com renda domiciliar per capita inferior a US$ 5,50 PPC por dia. A ausência de abastecimento de água por rede geral expressa maior precariedade, alcançando 25,8% da população com renda inferior a US$ 5,50 e 15,1% da população total. Há ainda desigualdades regionais significativas. No Norte, 41,8% da população não tem acesso a rede de abastecimento de água. Na região Sudeste representa 7,7% da população.
A coleta de esgoto é outro ponto sensível no país: aproximadamente 100 milhões de brasileiros não têm seus despejos coletados adequadamente, o que representa quase metade da população do país. O grave cenário de precariedade do saneamento básico no país motivou o trâmite legislativo de aprovação do Marco Legal do Saneamento Básico em 2019, que amplia à iniciativa privada o poder de explorar e desenvolver ações de saneamento nesse delicado contexto em que o país se encontra.
Destaca-se um segundo aspecto relacionado ao principal grupo de riscos: as pessoas idosas. O processo de transição demográfica iniciada com a redução das taxas de mortalidade nos anos 1970 e posterior queda das taxas de natalidade tem provocado uma mudança no perfil da população brasileira, com aumento da população com 60 anos ou mais. Dados apontam que o Brasil é o quarto país com mais intenso processo de envelhecimento do mundo (CLOSS; SCHWANKE, 2012). Reconhecido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como um dos maiores triunfos da humanidade, o envelhecimento traz uma série de desafios quanto a oferta de serviços públicos especializados, principalmente na área da saúde. Entre 1998 e 2013 ocorreram quase 38 milhões de internações entre pessoas idosas no Sistema Único de Saúde (SUS) e, somente em 2013, a assistência hospitalar à população idosa correspondeu a 31,6% dos gastos públicos com internação (MIRANDA; MENDES; SILVA, 2016).
O envelhecimento vem ainda acompanhado de desafios relacionados à garantia de renda a esta parcela da população. Dados do IBGE (2019) mostram que 7,5% da população com 60 anos ou mais tem rendimento domiciliar per capita inferior a RS$5,50 PPC diários. Complementar a este dado temos que o Benefício de Prestação Continuada (BPC), um benefício assistencial com previsão constitucional no valor de um salário mínimo, atende 4.549.478 brasileiros, dos quais 2.527.257 são pessoas com deficiência e 2.022.221 idosos em situação de extrema pobreza, sem condições de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Isso significa uma renda inferior a um quarto de salário mínimo (STOPA, 2019). Neste mês de março de 2020, o Poder Legislativo federal aprovou uma alteração dessa condição, que elevaria para 50% do salário mínimo o critério de elegibilidade por renda. O Poder Executivo, entretanto, recorreu ao Tribunal de Contas da União (TCU) e obteve uma liminar suspendendo a nova regra, sob a alegação de ausência de prévia dotação orçamentária para a despesa.
Cabe considerar também os desafios que uma pandemia impõe ao próprio sistema de saúde, não preparado para atendimento do volume de infectados em termos de disponibilidade de leitos, equipamentos e profissionais. Essa situação tem sido amplamente sinalizada pelos meios de comunicação, profissionais de saúde e especialistas em saúde pública. Tem-se medo do chamado colapso do sistema de saúde, tal como ocorrido em outros países que já atingiram o pico de contaminação. É importante, por outro lado, também refletir sobre a importância de garantia de atendimento universal e gratuito possibilitado pelo SUS, o maior sistema público de saúde do mundo. Pesquisa Nacional de Saúde (IBGE, 2013) estima que 80% da população depende exclusivamente do SUS para as ações relacionadas à assistência à saúde (STOPA et al, 2017). Em 2018, pesquisa do Serviço de Proteção ao Crédito e da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas mostra que 69,7% dos brasileiros não possui plano de saúde particular, dos quais 44,8%, principalmente entre as classes C, D e E, afirmou que utilizam o SUS.
Complementar a isso, tem-se um quarto aspecto relacionado às discussões sobre o acesso a trabalho e renda básica. Isso porque a principal medida para impedir a ampla proliferação do vírus é o isolamento social, com manutenção apenas de serviços essenciais. Essa medida foi adotada nas últimas semanas por governadores e prefeitos em todos os estados brasileiros. Porém, a interrupção do processo de produção e circulação de mercadorias e de prestação de serviços traz impactos inevitáveis para a economia. Diante das implicações econômicas da pandemia, o governo federal lança a campanha “O Brasil não pode parar” evocando a defesa da flexibilização do isolamento social, de modo a retomar a atividade econômica do país. É uma medida fadada ao fracasso diante da experiência prévia de Milão, a partir da campanha “Milão Não Para”, que levou a morte de mais de 4 mil pessoas e ao pedido público de desculpas do prefeito da cidade ao reconhecer o erro, que logo voltou atrás e instituiu a quarentena. Os riscos que essa campanha impõe à sociedade foram reconhecidos no âmbito judicial, que suspendeu a sua divulgação, reconhecendo que essa está na contramão das orientações da OMS e do Ministério da Saúde. A questão central no contexto da pandemia refere-se a como preservar a saúde dos trabalhadores que se mantém em seus postos, mas também garantir que aqueles que estão afastados tenham condições de manter suas condições de subsistência.
Em 2019, o Brasil bateu o recorde de trabalhadores em condição de informalidade, representando 41,4% da força de trabalho ocupada. São 11,8 milhões de brasileiros sem carteira assinada no setor privado, dentre os quais a maioria são mulheres. Trata-se de uma parcela da população que já está apartada de direitos trabalhistas e previdenciários. A recente reforma trabalhista aprovada em 2017 também reduziu direitos dos trabalhadores sob o argumento da necessidade de se ampliar as vagas. Jair Bolsonaro, ainda durante a campanha presidencial, sintetizou essa perspectiva: “O trabalhador terá que escolher entre mais direito e menos emprego, ou menos direito e mais emprego”. O reconhecimento do trabalho intermitente, forma de contrato não contínuo com alternância de períodos de prestação de serviços e inatividade, e com remuneração pela hora de trabalho, é apenas um dos exemplos das implicações trazidas pelas medidas, e que tem levado a ampliação do mercado informal.
Nesse sentido, é importante contextualizar a histórica tensão existente entre as políticas de assistência social e trabalho (BOSCHETTI, 2003; POLANYI, 2000; CASTEL; 2003). O primado liberal materializou o princípio segundo o qual o homem deve manter a si e a sua família por meio do trabalho. A assistência, por sua vez, seria permitida em ações mínimas, destinadas aos inaptos ao trabalho, principalmente crianças, pessoas idosas e com deficiência. Isso porque a assistência não deveria ser um estímulo ao ócio ou à vagabundagem, o que impactaria negativamente para a oferta de mão de obra. Na sociedade contemporânea, onde não há oferta de trabalho para todos, a assistência social torna-se necessária, mas ao passo que esta é limitada e restritiva, cria-se um cenário de desproteção social.
Tem-se aí um quinto desafio relacionado à política de assistência social, instituída pela Constituição Federal de 1988 a quem dela necessitar, independente de contribuição prévia. Reconhecer a assistência social como um direito é um marco na trajetória da proteção social brasileira, uma vez que busca romper com o histórico de ações filantrópicas e de benevolência, atribuindo a responsabilidade pelo atendimento a necessidades sociais dos mais pobres ao Estado. Desde o início dos anos 2000, a literatura especializada analisa a oferta de Programas de Transferência de Renda no âmbito da assistência social, com destaque para o Programa Bolsa Família.
A declaração de um estado de calamidade pública em decorrência do Covid-19 permitiu a criação de um benefício eventual, conforme já previsto no art. 22 da Lei Orgânica da Assistência Social. Viu-se, então, o debate entre poderes Executivo e Legislativo no âmbito federal sobre a criação de auxílio emergencial para trabalhadores sem carteira assinada, não amparados por outros benefícios assistenciais e previdenciários. Inicialmente proposto no valor de R$200,00 pelo poder Executivo federal, foi ampliado para R$600,00 e já aprovado na Câmara dos Deputados. A proposta segue em tramitação no Senado Federal.
Diante do exposto, o presente projeto entende que paralelamente à atuação e ao desenvolvimento de respostas das ciências biológicas e da saúde à pandemia, faz-se necessário o aprofundamento da análise das implicações sociais e políticas desse processo. A história mostra que diante de desafios coletivos intensificam-se as necessidades de resposta do Estado, tal qual descrito no Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que atribui a responsabilidade dos governos em adotar medidas para prevenção, tratamento e controle de doenças epidêmicas, endêmicas, profissionais e outras. Reconhece-se que o direito à saúde está intimamente relacionado a outros direitos humanos e sociais. Há, portanto, determinantes e condicionantes sociais da saúde, como colocado na Lei Orgânica de Saúde.
Isso impõe mais um desafio ao atual cenário brasileiro, que desde os anos 1990 tem vivenciado a expansão de políticas neoliberais e de um processo de contrarreforma do Estado (BEHRING, 2008). A Emenda Constitucional 95 ao impor o teto aos gastos públicos desde 2018 traz fortes amarras ao contexto atual, particularmente à proteção social. A atual escolha dos indivíduos entre assumir o risco pessoal de se contaminar para manter sua fonte de renda ou cumprir medidas de isolamento com a possibilidade de cair na miséria, expressam a necessidade de medidas de proteção por parte do Estado. Nesse sentido, faz-se necessário analisar a atuação dos Poderes Executivo e Legislativo, competentes por delinear parte substancial dos rumos da proteção social, e as consequências que o Covid-19 trará à sociedade.
Breve Fundamentação Teórica
A proteção social é resultante de fatores sociais, políticos, econômicos e históricos, com manifestações diferenciadas, não existindo um modelo único de atenção. A concepção de proteção social com base na ação do Estado é recente, se consolidando no período pós II Guerra Mundial em alguns países da Europa (PEREIRA, 2016; MESTRINER, 2001). Neste projeto compreende-se que a proteção social se constrói na relação entre Estado e sociedade civil na busca do atendimento a necessidades humanas básicas (PEREIRA, 2000). Isso significa que trata-se de uma orientação para a ação política, sob a responsabilidade de uma autoridade púbica, que visa a concretização de direitos sociais e incorporados por lei, guiados pelos princípios do interesse comum e da soberania popular (PEREIRA, 2009). Assim, privilegia demandas pela universalização e aprofundamento de direitos frente a desigualdade e a pobreza estruturalmente produzidos no capitalismo (SOUZA FILHO, 2013).
Objetivos e Metas
• Analisar as implicações do Covid-19 para a proteção social no contexto do Distrito Federal e do Brasil.
• Mapear as proposições normativas, tanto do Poder Executivo como Legislativo, a níveis distrital e federal, relacionados ao enfrentamento à Covid-19 para o campo da proteção social;
• Analisar os fundamentos políticos e socioeconômicos no processo de formulação de tais proposições;
• Compreender em que medida tais proposições permitem a ampliação ou não de garantias de proteção social para a população do Distrito Federal e do Brasil.
Metodologia
Trata-se de uma pesquisa documental, de natureza qualitativa. Em uma fase inicial será realizado o levantamento de proposições do Executivo e do Legislativo no âmbito distrital e federal relacionadas ao enfrentamento ao Covid-19. Ainda na pesquisa documental serão analisadas reportagens de meios de comunicação e notas oficiais acerca de projetos de lei e decisões públicas. Em seguida, serão definidas as temáticas de análise, de modo a permitir a categorização do conteúdo desses documentos. A análise de conteúdo, com aproximação histórico-dialética, considerará indicadores relacionados à proteção social.
Resultados Esperados
A presente pesquisa permitirá compreender os caminhos percorridos pelos poderes Executivo e Legislativo no processo de formulação e implementação de políticas sociais. Tendo em vista a complexidade da pandemia e as implicações para toda a sociedade, considera-se que há possibilidade de profundas mudanças no sistema de proteção social brasileiro. A presente pesquisa permitirá identificar as direções para ampliação ou não do acesso a políticas sociais de modo a garantir a concretização de direitos sociais e seu reconhecimento no marco normativo. Também permitirá problematizar a atuação do Estado na democratização do acesso à população historicamente apartada de proteção social.
Área de Conhecimento
Subárea de Conhecimento
Há previsão de Orçamento proveniente na unidade acadêmica?
Não
Cronograma da Execução
A proposta de projeto terá duração de nove meses, com início em abril de 2020. Entende-se que este tempo permitirá o acompanhamento da tramitação das proposições e, portanto, a análise do processo de formulação e o início da implementação no campo da proteção social.
Fase 1: Revisão de literatura sobre proteção social e contextos de calamidade pública e pandemias – abril a junho/2020
Fase 2: Mapeamento das proposições normativas e seu processo de implementação – abril a julho/2020
Fase 3: Categorização das proposições e análise de indicadores – julho a agosto/2020
Fase 4: Levantamento sobre o processo de implementação das proposições – setembro a outubro/2020
Fase 5: Elaboração de relatório final – outubro a dezembro/2020
Tempo total de execução previsto
9